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Na pauta do STF | Por que a licença-paternidade ampliada é um direito das crianças?

Entenda como a ampliação da licença-paternidade no Brasil precisa ser compreendida não apenas como um direito do trabalhador, mas também como um direito das crianças. O Supremo Tribunal Federal pode decidir o caso este mês

Publicado em 10/06/2025 10:05, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Foto: Júlio César Almeida/Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Nascer, fazer o teste do pezinho, tomar vacinas, iniciar a amamentação, ver crescer os primeiros dentes, dar os primeiros passos. Esses e outros marcos compõem o percurso da primeira infância, fase dos 0 aos 6 anos de vida, um período intenso de descobertas e mudanças. Cada acontecimento desse gera enorme expectativa na vida das famílias e dos cuidadores. Ainda nos primeiros dias de vida, uma rede de atenção e cuidados básicos precisam ser cumpridas para que tudo ocorra bem, mas uma pergunta se impõe: qual o papel dos homens nesse processo? Responder a essa pergunta exige um retrospecto da nossa legislação vigente e uma breve análise sobre como as desigualdades de gênero comprometem a realidade de mulheres e crianças. 

A licença-paternidade na legislação brasileira

A Constituição de 1988 marca uma importante conquista para as mulheres ao garantir a licença-maternidade de 120 dias, direito que visa sua proteção e bem-estar, bem como garantir a saúde psicológica e física das crianças. No entanto, a redação é mais comedida quando inclui o pai nesses cuidados: “Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias”. O texto se inspira na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), de 1943, que já indicava o período de cinco dias consecutivos, sem perda de salário, como direito de todo trabalhador.

Embora o texto da Constituição indique a necessidade de regulamentação, até hoje isso não ocorreu. O Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, prevê a ampliação da licença-paternidade para 20 dias, mas pouco se avançou a partir dele. Frente à inação no âmbito legislativo, em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu essa lacuna como uma omissão do Congresso Nacional e determinou que o Legislativo tem até junho de 2025 para aprovar uma lei que regulamente a licença-paternidade no Brasil. Caso isso não ocorra, o próprio STF poderá definir os termos desse direito.

Desigualdades de gênero nos cuidados com as crianças

A disparidade de dias entre as licenças de homens e mulheres contribui para reforçar desigualdades no mercado de trabalho, uma vez que penaliza as mulheres em termos de empregabilidade e remuneração. Ao possibilitar que os pais compartilhem de forma mais equilibrada os cuidados nos primeiros dias de vida da criança, poderíamos criar um ambiente mais favorável ao desenvolvimento infantil, que desafiaria também a divisão tradicional de gênero que associa exclusivamente as mulheres aos papéis de cuidado.

A realidade de muitas famílias brasileiras, no entanto, é marcada pela ausência paterna: 7% das crianças nascem sem o nome do pai na certidão de nascimento, principalmente em famílias de baixa renda. Isso sobrecarrega as mães, que assumem sozinhas o cuidado dos filhos. Dados do IBGE mostram que, em 2022, as mulheres dedicaram 9,6 horas a mais do que os homens a essas tarefas. Essa dupla jornada tem consequências diretas no bem-estar materno e pode gerar problemas de saúde mental, como a ansiedade. Quando os pais se envolvem mais, a carga sobre a mãe diminui. 

Estudos ao redor do mundo comprovam os benefícios da licença-paternidade ampliada. A Universidade de Northwestern divulgou, em março deste ano, um dado significativo sobre os impactos da presença paterna desde os primeiros dias de vida das crianças. De acordo com a pesquisa, quando os pais tiram pelo menos duas semanas de licença após o nascimento dos filhos, as chances de suas parceiras manterem a amamentação até oito semanas pós-parto aumentam em 31%. Outros estudos revelam também diminuição nos casos de depressão pós-parto e/ou de ansiedade entre as mães.

Benefícios da paternidade ativa

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a paternidade ativa envolve o compromisso diário com o cuidado, o afeto e a presença na vida dos filhos. Pai ativo é aquele que participa das tarefas do dia a dia, compartilha as responsabilidades domésticas e demonstra atenção às necessidades físicas e emocionais da criança, ou seja, vai além da provisão financeira. 

Em relação às crianças, a presença do pai nos primeiros meses cria um vínculo que perdura por toda a vida e é essencial para o desenvolvimento infantil. Evidências científicas mostram que filhos cujos pais têm participação ativa em sua rotina se desenvolvem de forma mais equilibrada, com melhor regulação emocional, melhor desenvolvimento cognitivo e de linguagem, e maior autonomia. E este efeito perdura: quando tiram licenças mais longas, os homens continuam mais envolvidos no cuidado das crianças nos anos seguintes. 

Entre os brasileiros parece não haver dúvidas sobre esses benefícios. De acordo com um estudo produzido pela Coalizão Licença Paternidade (CoPai), 92% da população é favorável à ampliação da licença-paternidade, independentemente de quem arque com os custos, seja o governo ou as empresas. Além disso, 63% afirmam que gostaria que a licença-paternidade fosse de 30 dias. Para 70% dos entrevistados, essa medida garantiria o cumprimento do direito da criança de ter pais presentes. 

Um artigo científico, publicado em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, aponta ainda outros dois benefícios da licença-paternidade estendida: igualdade de gênero e desenvolvimento infantil.

Os atuais cinco dias de licença-paternidade são um período insuficiente, portanto, para apoiar de forma plena mulheres e crianças nesta fase tão delicada e potente que são os primeiros dias de uma vida. A ampliação da licença não é apenas um incremento do direito dos trabalhadores, mas um investimento crucial no desenvolvimento das crianças e na construção das famílias que queremos no presente e no futuro. 

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