Investir na primeira infância é a forma mais eficaz de combater desigualdades

Mesmo antes do nascimento, fatores como renda familiar, raça e território podem impactar as oportunidades e experiências nos primeiros anos de vida.

Publicado em 23/10/2025 02:45, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Close das mãos de uma pessoa adulta segurando uma criança no colo, em um gesto de proteção e acolhimento.

A qualidade de vida e o cuidado dedicados às crianças na primeira infância caminham junto com o  avanço socioeconômico de um país. Pesquisas demonstram que a pobreza e a desigualdade social impactam não apenas o presente e o desenvolvimento de crianças de 0 a 6 anos, mas também o futuro de toda a sociedade.

A pobreza viola direitos básicos e, em cenários de profunda desigualdade, o potencial de bebês e crianças pode ser limitado por circunstâncias muito além de seu controle.

Importância do investimento na primeira infância

Segundo uma análise feita pelo economista e vencedor do Prêmio Nobel de Economia James Heckman, cada dólar investido na primeira infância gera um retorno de sete dólares. Isso ocorre porque o investimento inicial promove um aumento na escolaridade e no desempenho profissional ao longo da vida, além de reduzir gastos com reforço escolar, saúde e o sistema de Justiça.

Em outras palavras, investir no começo da vida é mais eficiente do que criar programas compensatórios no futuro. Esse investimento prévio se traduz em ganhos no desenvolvimento cognitivo, melhores níveis de aprendizagem e escolaridade, maior empregabilidade e renda e mais qualidade de vida no longo prazo.

Políticas públicas de transferência de renda

Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada divulgada neste mês, a renda média no Brasil cresceu cerca de 70% entre 1995 e 2024, enquanto a taxa de pobreza extrema caiu de 25% para menos de 5%. Esse avanço foi impulsionado pela ampliação de programas sociais, como o Bolsa Família, e pelo aquecimento do mercado de trabalho.

Contudo, as desigualdades sociais ainda persistem em diferentes cenários e reforçam a necessidade de políticas públicas de transferência de renda para combater a pobreza e a extrema pobreza. O estudo “Perfil síntese da primeira infância e famílias no Cadastro Único” mostrou que, entre os 18,1 milhões de bebês e crianças de 0 a 6 anos no Brasil, 10 milhões (55,4%) vivem em famílias de baixa renda, com renda mensal per capita de até meio salário mínimo. Além disso,8 em cada 10  têm o Bolsa Família como principal fonte de renda da família. 

“A transferência elimina de forma imediata, e de maneira significativa, as desigualdades”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Ela reitera que é necessário sair do campo da sobrevivência e unir forças em prol do desenvolvimento infantil. “É o desenvolvimento que quebra o ciclo intergeracional de pobreza”, diz.

Quando há uma melhora econômica na primeira infância, esses impactos se estendem ao longo de toda a vida. Contudo, é importante ressaltar que a pobreza e a desigualdade geram efeitos que vão além da renda, afetando saúde, alimentação, saneamento básico, moradia, inserção no mercado de trabalho e acesso à educação.

O impacto da educação

Garantir acesso a uma educação equitativa e de qualidade na primeira infância também gera efeitos positivos a longo prazo.

O estudo “Os efeitos duradouros da educação infantil na promoção das habilidades e da mobilidade social de afro-americanos em situação de vulnerabilidade”, desenvolvido pelos pesquisadores Jorge Luis García, James Heckman e Victor Ronda, da Universidade de Chicago, mostrou que, aos 54 anos, indivíduos que tiveram acesso à pré-escola de qualidade apresentaram melhores indicadores sociais e de saúde do que seus pares, além de ganharem, em média, 10 mil dólares a mais anualmente.

A pesquisa observou melhorias intergeracionais, reforçando a capacidade da educação infantil de quebrar ciclos de pobreza.

De acordo com Heckman, o investimento em educação na primeira infância — principalmente para crianças em situação de vulnerabilidade — é uma estratégia efetiva para reduzir custos sociais, melhorar condições de saúde, reduzir taxas de abandono escolar e combater a pobreza e a criminalidade.

“A busca ativa, que é o esforço de trazer para o serviço crianças que estão fora da escola e que, normalmente, são as que mais precisam, pois estão em maior situação de vulnerabilidade, é uma iniciativa fundamental”, afirma Luz.

As condicionalidades previstas no Bolsa Família, por exemplo, que exigem matrícula escolar e vacinação em dia, articulam diferentes áreas,  como assistência social, saúde e educação, fortalecendo uma atuação integrada. 

“É esse olhar integral e intersetorial que garante o desenvolvimento da criança, desde que esses serviços sejam ofertados com qualidade”, diz a CEO da Fundação.

O cenário brasileiro

Pesquisas brasileiras apontam para a mesma direção. Os pesquisadores Ricardo Barros e Rosane Mendonça mostraram que o aumento de um ano de ensino pré-escolar resulta em um crescimento de renda de aproximadamente 11%. Naércio Menezes, economista e pesquisador do Insper, observou que a pré-escola está associada a um ganho de um ano e meio de escolaridade e a um aumento de 16% na renda.

Os avanços se conectam. Ao investir na primeira infância – seja por meio de apoio financeiro a famílias em situação de vulnerabilidade, seja pela construção de políticas públicas que ampliem o acesso à educação de qualidade e reduzam desigualdades estruturais -, o país abre caminhos com oportunidades reais para que todas as crianças se desenvolvam com todo o seu potencial.

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