Brasil tem a aprender e ensinar aos EUA
Mariana Luz, CEO da Fundação, fala sobre o American Family Plan, programa de recuperação da economia americana por meio das crianças e da família, e destaca o que o Brasil pode ensinar e aprender com isso. Leia abaixo!
Publicado em 02/09/2021 04:03, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
O presidente americano Joe Biden apresentou o trilionário American Family Plan, um programa de recuperação da economia que tem o apoio às famílias e à educação como prioridade, especialmente nos primeiros anos de vida das crianças — além de vultosos investimentos em infraestrutura e saúde. Se aprovado, será o maior programa governamental dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ter foco nas crianças, o objetivo maior é, claramente, a agenda econômica, muito impactada pela pandemia. Faz todo o sentido se lembrarmos que a melhor forma de garantir o desenvolvimento socioeconômico de uma nação é investir no desenvolvimento das crianças nos seis primeiros anos de vida — a primeira infância. Essa é a fase da vida em que o cérebro mais se desenvolve e, portanto, garante maiores possibilidades de adultos mais preparados, produtivos e felizes no futuro.
Algumas das propostas de proteção à infância incluídas no plano de Biden são realizadas no Brasil há décadas, desde a Constituição de 1988, e mostram que nós acumulamos experiências que precisam ser mantidas e fortalecidas, mas que também podem ser olhadas com atenção pelo governo americano. É o caso, por exemplo, do acesso à educação. Biden quer garantir a educação infantil para crianças de 3 e 4 anos. Segundo relatório da Casa Branca, somente dois terços dos pequenos de 4 anos e metade dos de 3 são atendidos pela pré-escola nos Estados Unidos. Vale lembrar que nos EUA a educação infantil somente é obrigatória a partir dos 5 anos e que não há um sistema de creches e pré-escolas públicas.
No Brasil, os números são melhores. O mais recente censo escolar aponta que o percentual de crianças em creches subiu de 32% em 2016, para 37% em 2019. Já na pré-escola, o índice aumentou de 91% para 94% neste mesmo período. Nossa Constituição estabeleceu a educação como direito de todos e, desde então, o país vem buscando melhorar seus indicadores. Em termos de política educacional, comparando com outros países, o Brasil faz um grande esforço pra ter um atendimento público e gratuito.
Quando o assunto é a elaboração de currículos, a meta dos EUA é zelar pela qualidade do ensino com melhorias no currículo e limitação do número de crianças por professor. Por aqui, desde 2006, instituímos parâmetros nacionais de qualidade da educação Infantil e temos a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) para o ensino infantil aprovada desde 2017.
Outra intenção de Biden é oferecer assistência às famílias por meio da concessão de 12 semanas de licença-maternidade paga, com remuneração de até US$ 4 mil por mês, outra iniciativa já em vigor no Brasil: a licença-maternidade é direito de todas as pessoas empregadas por aqui e temos ainda as “empresas cidadãs” , que, beneficiadas por deduções fiscais do governo, prorrogam por 60 dias a licença-maternidade e por 15 dias, além dos cinco já estabelecidos, a duração da licença-paternidade.
Estes são exemplos que mostram um Brasil pioneiro na legislação, que orienta o cuidado com as famílias e a proteção à infância. Mas não significam que não precisemos olhar para o nosso jardim, porque não bastam as leis e políticas das quais nos orgulhamos. Nosso desafio é proteger e melhorar nossos avanços, com implementação de uma agenda que materialize e efetive conquistas, com mais e novas políticas para a criança.
Ainda que estejamos à frente dos Estados Unidos e outros lugares do mundo, há muito a ser feito. A pandemia agravou as desigualdades no nosso país e evidenciou atrasos significativos para a legislação e o conhecimento que temos. Há muito o que avançar no que diz respeito à assistência às famílias: é inaceitável que, mesmo com todo o nosso arcabouço jurídico, tenhamos um terço de nossas crianças na pobreza ou extrema pobreza. Assegurar o direito delas é responsabilidade de cada um de nós.
Precisamos olhar para a população sem vínculo empregatício, cujo sustento depende da mãe; realizar campanhas capazes de diminuir o preconceito de empregadores contra as mulheres em idade para ter filhos; legitimar e aumentar o prazo da licença-paternidade para que se torne regra nas empresas brasileiras. Para garantir o acesso e a qualidade do ensino infantil, precisamos tirar o currículo do papel e colocá-lo dentro de todas as salas de aula, principalmente em comunidades mais vulneráveis. Nestes lugares, a melhoria da qualidade do ensino passa também por garantir uma infraestrutura básica das escolas, como instalações e rede de água e esgoto.
É fato que já avançamos. Somos um país pioneiro em políticas públicas para a criança e servimos de exemplo para outras nações. Mas precisamos estar alertas para não perder o que foi feito até aqui. Que a iniciativa de Joe Biden nos inspire a ser mais do que pioneiros. Que ela nos mova a avançar no campo da implementação e nos permita efetivar o que está previsto nas leis e políticas públicas de proteção de nossas crianças e do nosso futuro.