Colo de mãe, política pública e primeira infância
Neste artigo, a CEO da Fundação fala que não há como cuidar bem da criança se quem cuida dela não estiver bem e destaca a importância das políticas públicas de primeira infância para as gerações atuais e futuras. Confira!
Publicado em 09/05/2021 03:59, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Assim como é para a grande maioria, este é o segundo ano consecutivo que terei um Dia das Mães remoto, sem o aconchego do colo da minha mãe e do meu pai (ou mãe de gravata, como gostamos de brincar). Nesta ocasião também sinto saudades dos meus avós. Sim, tive o imenso privilégio de ter avós longevos, ativos e presentes e tenho doces recordações de minha bisavó Maria, que viveu até os 104 anos de maneira lúcida e saudável.
Tanto do que sou e faço são reflexos dessas gerações que me antecederam. Na minha caminhada, repito padrões, honro legados e busco ser um pouco melhor a cada dia, a cada passo. A jornada de me tornar mãe ampliou esse espaço de reflexão, essa capacidade de compreensão e uma vontade avassaladora de ser melhor não somente para mim, meu filho e toda a minha família, mas para manter viva a crença de que as mudanças que queremos para esse mundo estão, de fato, em cada um de nós.
A curta chamada de vídeo desse domingo não substitui o almoço de dia inteiro, que só acabaria porque há nele sempre menos horas do que pensamos precisar. Talvez com um melhor senso de adaptação pelo ano que passou, seja possível conversar um pouquinho com todos. No fim, penso que vamos falar de forma meio atabalhoada e desligar com sorriso agridoce.
Mas esse é o encontro possível hoje. E a pandemia tem sido muito eficiente em nos ensinar a ter mais paciência com o que não conseguimos controlar – para não dizer que nos mostrou, categoricamente, que não controlamos definitivamente nada. A distância forçada por ela nos ajuda a perceber o quanto as despretensiosas visitas, encontros, conexões e acolhimentos têm o poder de renovar nossas energias para que possamos desempenhar todos os papéis exigidos pela vida adulta.
Não acredito muito em verdades absolutas e acho que elas podem ser danosas em tempos de polarização. Uma, no entanto, é quase irrefutável: toda mãe, pai ou adulto que se propõe a cuidar de uma criança deseja que ela seja feliz, tenha uma vida melhor e de mais oportunidades. Almejar coisas tão simbólicas pode até parecer lugar-comum, mas ser mãe é isso, um clichê que se repete a cada geração, mas é também por isso que sua potência tem alcance universal.
Quando nos esquecemos de nos pautar por esse sentimento e valores comuns, perdemos todos. Um dos mantras da primeira infância, fase que vai até os seis anos de idade da criança, é que é preciso cuidar de quem cuida. Não há como cuidar bem da criança se quem cuida dela não estiver bem. É incontestável.
Na pandemia, a sobrecarga e o cansaço, causado pela multiplicidade de tarefas e também pelo medo, logo se tornou evidente entre todas nós, mães e profissionais – ou não. Sentimos isso na pele. Com as crianças em casa, dependendo da gente para tudo e absorvendo os nossos humores com a permeabilidade de esponjas que só elas têm, o bem-estar das mães tornou-se determinante para promover o ambiente saudável da família.
Ter todos no mesmo lugar de fala, enfrentando dificuldades similares, acelerou alguns movimentos. No âmbito das políticas públicas, alguns estados puderam manter o acompanhamento de programas de saúde da família por meio de ferramentas como o WhatsApp. Esses programas são importantes tanto pela escuta terapêutica que fazem das famílias, como pelas orientações que prestam aos mais vulneráveis para diferentes problemas.
A falta da escola e o receio dos danos dessa lacuna na criança é fonte de muito estresse para as mães. A mobilização de educadores para levar de maneira lúdica e criativa iniciativas para auxiliar os pais a promoverem estímulos ao desenvolvimento dentro de casa amparou a alguns em uma grande malha de cuidados formada pelo que estava ao alcance de cada um.
Essa mesma malha se estendeu para o ambiente de trabalho com as empresas que aderiram a rotinas e estratégias que colocaram o bem-estar de seus funcionários e suas famílias no centro de suas ações. O Unicef publicou recomendações para ajudar as companhias. Entre elas, a flexibilização de horários e a extensão de benefícios restritos a mães para pais e colaboradores que não sejam funcionários fixos.
Essa grande colcha invisível de afetos e suporte cresce. É nítido que seus primeiros desenhos começaram a ser bordados lá, no colo, no acolhimento e no afeto que recebemos desde o início de nossas vidas.
Recebo até hoje os cuidados de meus pais como fonte de força e regeneração e percebo como moldam a mãe que sou para o meu filho. Entendo que esse é um ciclo que continuará com os filhos do meu filho. Os cuidados e a segurança que conseguimos transmitir a ele ajudará a moldar o pai que ele será.
O desenvolvimento na primeira infância de cada um de nossos filhos gera o retorno que queremos: emprego, renda, saúde, segurança, educação. Quando cuidamos e protegemos quem cuida, fazemos o mesmo com cada criança e garantimos uma geração melhor.
A pandemia vai passar, mas a próxima geração está em nossas mãos. Que as reflexões e aprendizados deste momento tão inédito permaneçam e nos ajudem como indivíduos, sociedade, iniciativa privada e governos a fortalecer tudo o que se revelou essencial na crise: as crianças e seus cuidadores.
Que a saudade do colo de nossas mães nos determine a criar novos colos.