Desigualdade marca o acesso à educação infantil no Brasil: apenas 3 em cada 10 crianças de baixa renda estão na creche, segundo dados de 2023

Estudo inédito da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com MEC e MDS, analisa dados da Cadastro Único e do Censo Escolar e revela que a pobreza e o território ainda determinam quem tem acesso à creche e à pré-escola no país

Publicado em 11/12/2025 02:00, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

um menino está no colo de seu cuidador. ilustra matéria sobre o cadúnico.

Um olhar específico para as 10 milhões de crianças na primeira infância inscritas no CadÚnico revela um cenário preocupante: apenas 30% delas frequentavam as creches, em dezembro de 2023. Os dados fazem parte do estudo “O desafio da equidade no acesso à educação infantil: uma análise do CadÚnico e do Censo Escolar, realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O estudo cruza informações do CadÚnico com o Censo Escolar, a partir de microdados de 2023.

Na pré-escola, etapa obrigatória da educação básica, apenas 72,5% das crianças de 4 e 5 anos que vivem em famílias de baixa renda no CadÚnico estavam matriculadas. A tendência observada no Cadastro Único reflete os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, que também indicavam que crianças que vivem em famílias de baixa renda (com até meio salário mínimo ou R$660 por pessoa, em 2023) têm menos acesso à educação infantil no Brasil em comparação com a população em geral.

“É inadmissível que o acesso à creche e à pré-escola seja determinado pela renda ou pelo CEP da família. As crianças que mais se beneficiam da educação infantil de qualidade são justamente as que menos têm acesso a ela. A promoção da equidade precisa estar no centro das políticas públicas”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Raça e renda: desigualdades que começam cedo

As desigualdades raciais se somam às econômicas.  Entre as famílias de baixa renda cadastradas no CadÚnico, as crianças brancas têm 4% mais chance de estar na creche e quase 7% mais chances de estar na pré-escola do que crianças não-brancas.

A renda e a ocupação dos responsáveis também impactam o acesso. Quando o responsável familiar possui emprego formal, a probabilidade de a criança estar na creche é 32% maior. Em contrapartida, o trabalho informal dos responsáveis diminui as chances de a criança frequentar a educação infantil: são -9% de probabilidade para a creche e -6% para a pré-escola.

Crianças com deficiência têm 13% menos chance de estarem matriculadas na pré-escola.

“O acesso à educação infantil é também uma política de igualdade de gênero e de combate à pobreza. A ausência de vaga na creche afeta a autonomia das famílias e, especialmente, das mulheres que precisam trabalhar. Esses resultados reforçam o papel da educação infantil como política de proteção social e promoção da equidade – fundamental tanto para o desenvolvimento integral da criança quanto para a redução da pobreza intergeracional”, reforça Luz. 

Desigualdades regionais: um retrato do território

“O desafio da equidade no acesso à educação infantil: uma análise do CadÚnico e do Censo Escolar” também evidencia que a desigualdade de acesso à educação infantil pelas famílias de baixa renda é ainda mais acentuada entre as regiões brasileiras. 

Em 2023, o Norte era a região com menor taxa de matrícula na creche entre as crianças de baixa renda (16,4%), seguida do Centro-Oeste (25%) e do Nordeste (28,7%).  Apenas Sudeste (37,6%) e Sul (33,2%) apresentavam taxas pouco superior à nacional para a população do CadÚnico (30%).

Na pré-escola, as diferenças persistem: a taxa de matrícula para as crianças inscritas no CadÚnico varia entre 68% e 78% nas regiões, com Norte e Nordeste apresentando as menores taxas.

Além disso, os dados revelam que os municípios menores e com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) enfrentam as maiores dificuldades para garantir vagas, seja por restrições financeiras, seja por falta de capacidade técnica. Esse cenário reforça a importância de políticas públicas que apoiem os territórios mais vulneráveis, promovendo cooperação e equilíbrio na oferta de educação infantil em todo o país.

Efeitos positivos do Programa Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada 

O estudo também aponta que fatores socioeconômicos têm peso decisivo no acesso à educação infantil. Programas de transferência de renda e benefícios socioassistenciais aparecem como mecanismos importantes para ampliar a matrícula de crianças em situação de vulnerabilidade. 

Entre os resultados, chama atenção o impacto do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que eleva em 12% a probabilidade de a criança estar na creche e em cerca de 8% na pré-escola. Já o Programa Bolsa Família (PBF), cuja condicionalidade exige matrícula a partir dos 4 anos, aumenta em 9% a chance de ingresso na pré-escola e em aproximadamente 2% na creche.

“O estudo é lançado em um momento decisivo, no qual o Brasil discute o novo Plano Nacional de Educação (PNE) e importantes políticas como a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI) e o Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade da Educação Infantil (Conaquei). A equidade na educação infantil depende da boa implementação dessas políticas e um esforço conjunto entre União, estados e municípios. É preciso fortalecer o regime de colaboração e apoiar tecnicamente os territórios mais vulneráveis, fazendo busca ativa e priorizando as crianças do CadÚnico para garantia de acesso ao direito à educação”, finaliza Luz.

Acesso à educação infantil – dados gerais

  • Apenas 30% das crianças de famílias de baixa renda (CadÚnico) estão matriculadas em creche. Na pré-escola, etapa obrigatória, 72,5% das crianças do CadÚnico estão matriculadas. Especialmente para o recorte de creche, a probabilidade de matrícula aumenta conforme a idade da criança. Quanto mais velha (em um limite de até 3 anos) ela for, maiores são as chances de acesso (quase 150% a mais);
  • Crianças brancas têm 4% mais chance de estar na creche e 7% mais chance de estar na pré-escola do que as pretas, pardas ou indígenas;
  • Meninas têm menor probabilidade (-4%) de frequentar creche;
  • Crianças com deficiência têm 13% menos chance de estarem matriculadas na pré-escola;
  • – Quando o responsável tem emprego formal, a chance de matrícula na creche é 32% maior;
  • – Quando o trabalho é informal, essa probabilidade cai cerca de 9%.

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