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Posicionamento da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal sobre o PL 1.338/2022, que propõe a regulamentação do ensino domiciliar

Senado iniciou as audiências públicas sobre projeto de lei que busca regulamentar o “homeschooling”; A Fundação alerta para os diversos riscos para as crianças

Publicado em 08/12/2023 04:30, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Uma criança está sentada em um tapete, brincando com uma xícara e uma tampa de plástico, ambos verdes. A imagem ilustra a matéria "Posicionamento da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal sobre o PL 1.338/2022, que propõe a regulamentação do ensino domiciliar".

Em 1 de dezembro aconteceu a primeira audiência pública no Senado Federal referente ao projeto de lei (PL) 1.338/2022, que propõe a regulamentação do ensino domiciliar no Brasil.

A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal entende que a prioridade para a educação brasileira é a qualidade, e isso demanda uma busca ativa para as crianças voltarem à escola para que possam recuperar os prejuízos educacionais causados com o isolamento social durante a pandemia.

Estudos consistentes evidenciam o impacto positivo da educação infantil ao longo de toda a vida das crianças que frequentam a escola e como esse processo reverbera positivamente nas gerações seguintes dessas crianças, enquanto jovens e adultos. Esse impacto se dá tanto em aspectos cognitivos quanto nos socioemocionais.

Uma série de pesquisas demonstra que as crianças têm desempenho acadêmico superior nos anos seguintes aos daqueles que não frequentaram a escola infantil; se tornam mais engajadas na escola e tendem a estudar por mais anos, o que resulta em empregos com maiores salários na vida adulta e quebra do ciclo intergeracional de pobreza; têm menos doenças crônicas e outros problemas de saúde na vida adulta, têm menos propensão à violência e risco de encarceramento.

Por outro lado, o homeschooling apresenta riscos em diversas dimensões na vida da criança, uma vez que:

Desprotege as crianças em relação a abusos, negligências e trabalho infantil

Segundo dados do Ministério da Saúde de 2021, 81% dos casos de abuso e violência sexual contra crianças acontecem em ambiente doméstico. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 86% dos abusadores são pessoas da família ou conhecidos da vítima; e dados de registros policiais de 2022 mostram que houve 22.527 denúncias de maus tratos, 15.370 de lesão corporal dolosa, 40.659 de estupro de crianças menores de 13 anos, sendo que 44,4% foram cometidos por pais e padrastos.

Na pandemia, onde as crianças deixaram de frequentar a escola, houve uma significativa redução no número de notificações de violência contra a criança. Entre 2019 e 2021, houve uma queda de 36% nas notificações segundo dados do DataSus. A hipótese não é que a violência tenha diminuído, mas que a falta da frequência no ambiente escolar tenha impedido o reconhecimento desses casos – seja porque os professores podem perceber mudanças no comportamento da criança ou mesmo marcas de violência, seja porque é onde as crianças sentem segurança para fazer o relato sobre o que vivenciam.

É na escola que o Estado consegue, de fato, enxergar a criança. A escola é uma instituição com grande capilaridade na qual a criança permanece por mais tempo vinculada, sendo um dos principais mecanismos do sistema de garantia de direitos. Além disso, a escola garante o acesso a outros cuidados, como nutricional, saúde dentária, campanhas de vacinação e mesmo de identificação de que a criança precisa de cuidados médicos, que a família não está provendo.

Aumenta as desigualdades sociais e educacionais

Pesquisa da UFRJ que acompanhou crianças de 4 e 5 anos entre 2019 (com ensino presencial) e 2020 e 2021 (com educação remota), constatou que a falta de aulas presenciais gerou perdas de aprendizagem em língua portuguesa, matemática e nas habilidades motoras e socioemocionais tanto em crianças de escolas públicas quanto de particulares.

Essa diferença foi mais grave entre as crianças mais pobres. A pesquisa também relatou que, em 2020, as crianças aprenderam 34% menos em linguagem e 36% menos em matemática se comparadas às do grupo de 2019. O que esse dado nos diz é que a escola, que propicia o convívio com professores – preparados para a tarefa – e com outras crianças é por si um ambiente que educa e estimula o desenvolvimento social, emocional e o aprendizado. A ausência do ambiente escolar, portanto, pode violar o direito à educação das crianças.

Falta supervisão adequada do que acontece no ensino domiciliar

As Secretarias Municipais e Estaduais de educação, assim como as escolas, não possuem condições de manter a fiscalização adequada sobre a rotina escolar no modelo homeschooling, o que aumentará muito o risco de evasão com um custo humano e social para o país de grandes dimensões. Há um problema grave no financiamento da educação infantil, e quaisquer recursos disponíveis deveriam ser empreendidos para a ampliação do acesso e melhoria da qualidade. Em um país onde apenas 27,8% das crianças mais pobres têm acesso à creche, o esforço político e educacional deveria focar na sua inclusão, não no ensino domiciliar.

Observações finais

A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ressalta que a interação entre crianças com a intermediação de profissionais capacitados propicia diversos aprendizados na dimensão socioemocional, fundamentais para o desenvolvimento integral da criança. Nesse sentido, a educação infantil promove uma forma de socialização voltada para a aprendizagem do convívio coletivo, plural e inclusivo, para a aquisição do respeito mútuo e da reciprocidade.

Não podemos deixar que os riscos em relação ao aumento da desigualdade social e educacional, à desproteção das crianças em relação a abusos e negligência, à restrição de aprendizagem por meio de convívio social proporcionado no ambiente escolar e à inadequada ou ausência de supervisão do ensino não sejam vistas, consideradas e questionadas.

Retirar a criança do convívio escolar é anular uma camada essencial de proteção e garantia de direitos da nossa organização como sociedade, o que expõe a criança a riscos à sua integridade física e psicológica.

Não ao homeschooling!

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