Primeira infância e clima: como a crise climática afeta o desenvolvimento infantil
Secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais intensas impactam a saúde, o desenvolvimento e os direitos de bebês e crianças. Enfrentar a crise climática exige políticas públicas que coloquem a primeira infância no centro das soluções.
Publicado em 14/11/2025 04:49, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

A primeira infância, que vai de 0 a 6 anos, é o período de maior desenvolvimento do ser humano, onde se formam as bases da saúde física, socioemocional e cognitiva. Por estarem vivendo um período tão determinante para o presente e o futuro, bebês e crianças pequenas são também mais vulneráveis diante da crise climática.
Com características fisiológicas ainda em formação, crianças na primeira infância dependem totalmente dos adultos para se proteger e estão mais expostas aos efeitos de altas temperaturas, poluição e eventos climáticos extremos.
Essa vulnerabilidade é ampliada por desigualdades sociais, raciais e territoriais. Meninas, crianças negras, indígenas e de comunidades tradicionais, que já são vítimas de desigualdades históricas e vivem em regiões com menos infraestrutura, são ainda mais afetas pelas consequências da emergência climática.
Segundo a pesquisa “Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida”, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e o Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros afirmam estar preocupados ou muito preocupados com os efeitos da crise climática sobre bebês e crianças pequenas.
A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal lança uma nova publicação que reúne evidências, dados, riscos e caminhos para garantir saúde, educação e proteção desde o início da vida, reforçando que enfrentar a crise climática passa, necessariamente, por proteger a primeira infância.
Abaixo, estão alguns dos principais destaques.
Saúde: impactos que começam na gestação
Os efeitos da crise climática começam antes mesmo do nascimento. A exposição de gestantes ao calor extremo e a poluentes pode causar parto prematuro, baixo peso ao nascer, má-formação fetal e aumentar o risco de mortalidade materna e neonatal.

Nos primeiros anos de vida, bebês e crianças respiram 50% mais ar por quilo de peso que os adultos e, por estarem mais próximos do chão, inalam maior quantidade de poluentes. Essa exposição pode causar doenças respiratórias, convulsões, alterações nos rins e, em casos extremos, coma com risco de morte.
A longo prazo, o calor excessivo compromete o aprendizado, o sono, o sistema imunológico e a saúde mental, além de intensificar quadros de ansiedade e depressão.
Educação e desenvolvimento: quando o calor afasta da escola
A emergência climática também ameaça o direito à educação. Enchentes, secas e queimadas danificam escolas, dificultam o acesso e aumentam a evasão. Muitas instituições se transformam em abrigos temporários, o que atrasa o retorno às aulas e rompe a rotina das crianças. Pesquisas indicam que crianças expostas a temperaturas acima da média podem ter até um ano e meio a menos de escolaridade.
Os efeitos não são apenas pedagógicos. O estresse e os traumas gerados por desastres ambientais provocam depressão, ansiedade e prejuízos socioemocionais. Segundo a Associação Americana de Psicologia, 45% das crianças apresentam sintomas após vivenciar eventos extremos.
Habitação: deslocamento forçado e desigualdades
Desastres intensos, como inundações, deslizamentos e tempestades, forçam milhões de pessoas a deixar suas casas. No Brasil, 1,5 milhão de crianças poderão ser deslocadas nos próximos 30 anos por conta de eventos extremos.
Para as crianças pequenas, o deslocamento interrompe vínculos afetivos e prejudica o acesso à saúde, à educação e à proteção. Além disso, pode gerar traumas duradouros.
A crise climática também não é igual para todos e tem o poder de aprofundar desigualdades históricas. O chamado racismo climático faz com que populações em maior vulnerabilidade social sejam mais afetadas por enchentes, secas e calor extremo.
Políticas públicas: proteção desde o início da vida
Enfrentar a crise climática passa, necessariamente, por proteger as crianças desde o começo da vida. Isso exige ações coordenadas entre Estado, famílias e sociedade civil, com foco na prevenção, mitigação e adaptação. Ações prioritárias incluem:
- – Fortalecer a atenção primária à saúde, com vigilância e resposta rápida a ondas de calor e inundações
- – Capacitar agentes comunitários para apoiar famílias em situação de emergência
- – Garantir segurança alimentar e nutricional
- – Ampliar o atendimento em saúde mental infantil e o suporte psicossocial a famílias
- – Criar zonas de resfriamento em creches e escolas, com sombra, ventilação e áreas verdes
- – Assegurar a continuidade das aulas após desastres e elaborar protocolos de resposta
- – Ampliar espaços públicos arborizados e priorizar o reassentamento de famílias com crianças pequenas que vivem em áreas de risco

Para que cumpram seu papel de proteger e apoiar o desenvolvimento das crianças mesmo em condições adversas, essas ações precisam ser intersetoriais e articuladas, reunindo diferentes áreas do Estado e da sociedade para garantir cuidado e equidade desde a primeira infância.
Natureza: um direito e um força para o desenvolvimento
O contato com a natureza é um direito das crianças e também uma poderosa forma de cuidado. Brincar, explorar e aprender em ambientes naturais fortalece a saúde, o bem-estar e o vínculo com os cuidadores. As evidências mostram que o contato com a natureza:
- – Estimula a criatividade, a atenção e a empatia
- – Aumenta a atividade física e melhora o bem-estar
- – Reduz o estresse, a ansiedade e o tempo de tela
- – Fortalece vínculos sociais e o sentimento de pertencimento
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda ao menos uma hora diária de brincadeiras ao ar livre para bebês e crianças pequenas. A educação infantil é uma oportunidade essencial para garantir experiências com elementos da natureza, como terra, água e plantas. No entanto, esse acesso ainda é muito limitado: apenas 35% das creches e pré-escolas brasileiras contam com áreas verdes.
Garantir esse contato é muito mais do que promover lazer, é potencializar o desenvolvimento integral das crianças, estimular a curiosidade, a imaginação e a valorização e a conservação da natureza ao longo da vida.