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Que herança deixaremos às próximas gerações?

Experiências vividas na infância podem alterar nosso DNA

Publicado em 23/01/2020 11:04, por Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Você já imaginou que as experiências que os seus pais tiveram quando crianças podem ter influenciado geneticamente em quem você é hoje? Diversos estudos recentes sobreepigenética— área da ciência que estuda como o ambiente pode afetar a expressão dosgenes — apontam que as experiências vividas, sobretudo naprimeira infância, podem alterar o comportamento do nossoDNA. Os pesquisadores afirmam ainda que algumas dessas modificações podem até ser transmitidas de uma geração para outra.

Portanto, se antes o debate estava entre genética versus ambiente, o que era mais determinante para ditar o comportamento das pessoas, hoje a discussão é outra. Os cientistas querem saber até que ponto o que vivemos na infância, ou mesmo antes de nascer, durante a gestação, pode deixar marcas nos genes e influenciar, positiva ou negativamente, comportamentos e habilidades.

Sabemos que crescer em um ambiente acolhedor, harmonioso e rico em experiências positivas é fundamental para o bem-estar da criança hoje e para que ela tenha um futuro com mais possibilidades.

Veja também na biblioteca:Os primeiros anos: o bem-estar infantil e papel das políticas públicas

Por outro lado, viver em uma atmosfera ameaçadora, permeada pela violência, pobreza, abuso e negligência pode ajudar a produzir alterações que afetam negativamente a criança por toda a vida.

As novas evidências científicas reforçam o senso de urgência para a implementação de políticas e práticas voltadas à primeira infância, em especial diante do atual cenário que mostra que uma em cada três crianças de até seis anos vive na pobreza ou extrema pobreza no Brasil. O contínuo estresse ao qual muitos brasileiros são submetidos na infância está diretamente relacionado ao aumento do risco de doenças físicas e mentais, além de problemas comportamentais e de aprendizagem.

Por isso, devemos enxergar essa fase da vida como uma janela de oportunidades para mitigar os efeitos nocivos de um ambiente tóxico. Vou além: o investimento em políticas de apoio às famílias e em educação infantil de qualidade é o caminho para a real diminuição da desigualdade e a quebra do ciclo de pobreza das famílias brasileiras.

Veja também na biblioteca:O impacto dadesigualdadesocial no desenvolvimento infantil

Entre as diversas estratégias possíveis, o poder público deve focar em levar mais informação para pais e adultos próximos à criança, por meio de programas e serviços que valorizem o estímulo, a interação e o vínculo. A visitação domiciliar é um exemplo de política nesse sentido. Em diferentes países esse tipo de iniciativa tem se mostrado eficiente para promover a saúde e o desenvolvimento humano, com inúmeros benefícios para as crianças, as famílias e toda a sociedade.

Desde 2016, temos no Brasil o programa Criança Feliz, do governo federal, que se baseia exatamente nesse tipo de estratégia. Além dele, existem outras iniciativas municipais e estaduais com a mesma proposta que podem ajudar a inspirar outros gestores. O que se espera desse tipo de programa é informar os cuidadores sobre a importância da primeira infância e estimular o cuidado responsável e amoroso dentro de casa. 

Outra estratégia para garantir que as crianças tenham boas experiências no começo da vida, e isso se reflita em um futuro melhor, é a priorização do investimento em educação infantil de qualidade, uma vez que, quando a criança pequena não está em casa, com seus cuidadores, espera-se que ela esteja na escola. E o acesso a uma educação infantil de qualidade, com bons profissionais, ambientes e materiais apropriados, propicia experiências positivas para a construção de uma base sólida, que preparará a criança para a aprendizagem ao longo da vida.

O principal alerta é que além de oferecer as condições básicas de sobrevivência às crianças brasileiras, como estratégia de futuro da sociedade temos que garantir a todas elas a possibilidade de alcançarem, em suas trajetórias, o desenvolvimento pleno, em termos físicos, cognitivos e socioemocionais. 

Se restavam dúvidas, a epigenética está aí para mostrar que investir em políticas que cuidem da criança e apoiem suas famílias para que tenham condições de oferecer aos seus filhos um ambiente seguro, acolhedor e afetuoso é a melhor escolha. Cada dia na primeira infância conta muito. E seis anos passam rápido demais.

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Mariana Luz é CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
 
Artigo publicado originalmente em 13/01/20, no jornal Folha de S.Paulo
 

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