A natureza entre o hoje e o amanhã da primeira infância
Estudo realizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância destaca que crise climática exige respostas urgentes com foco nas infâncias mais vulnerabilizadas, especialmente crianças negras e indígenas
Published on 18/06/2025 01:37, by Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

A relação entre a preservação ambiental e o desenvolvimento infantil merece atenção permanente no debate público e nas agendas de políticas intersetoriais. Evidências cada vez mais robustas indicam que o contato regular com ambientes naturais exerce papel fundamental no bem-estar físico, emocional e cognitivo das crianças, especialmente nos primeiros anos de vida. A qualidade e a saúde dos ecossistemas impactam diretamente as condições em que as infâncias se desenvolvem, influenciando desde padrões de saúde e nutrição até aspectos socioemocionais e de aprendizagem.
De acordo com o estudo A primeira infância no centro do enfrentamento da crise climática, elaborado pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), os impactos das mudanças climáticas começam ainda na gestação e se estendem por toda a vida. Doenças infecciosas e de saúde mental, desnutrição, dificuldades de aprendizado e maior risco de marginalização social formam uma cadeia de vulnerabilidades que ameaça o futuro de milhões de crianças.
O estudo também destaca que os efeitos da crise climática são ainda mais severos para crianças negras, indígenas e aquelas que vivem em situação de pobreza, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. No Brasil, há mais de 10 milhões de crianças de 0 a 6 anos pertencentes a famílias de baixa renda e, para muitas delas, a crise climática agrava ainda mais um cenário já marcado por insegurança alimentar, falta de moradia adequada e dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde e educação. Portanto, proteger a natureza é também garantir direitos e oportunidades às crianças. Significa ampliar o horizonte das ações voltadas à infância, considerando a promoção de ambientes vivos, seguros e estimulantes como parte essencial de um desenvolvimento pleno e sustentável.
A natureza viva
Segundo dados da organização internacional Natural Learning Initiative (NLI), as evidências científicas dos benefícios em promover o contato de crianças com a natureza são contundentes: ambientes de aprendizagem externos e naturais impactam positivamente o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social de crianças na primeira infância. O artigo Impact of Naturalized Early Childhood Outdoor Learning Environments (“Impacto dos ambientes de aprendizagem naturalizados e ao ar livre para a primeira infância”, em tradução livre), produzido pela NLI em parceria com a National Wildlife Federation e disponível na biblioteca digital da Fundação, apresenta um panorama abrangente das contribuições do contato com a natureza no cotidiano de crianças em idade pré-escolar. A proposta vai além da substituição de playgrounds convencionais por áreas verdes. Trata-se de uma mudança de paradigma que envolve o redesenho de centros de educação infantil e espaços urbanos para reintegrar a natureza ao dia a dia das crianças.
No Brasil, segundo números do Censo Escolar (2023), somente 39% das pré-escolas do país possuem parquinhos infantis e apenas 35% contam com áreas verdes. Considerando que as crianças passam de 8 a 10 horas por dia em creches e pré-escolas, os pesquisadores ressaltam que o distanciamento com a natureza – seja em florestas, praias, rios, jardins urbanos, fazendas e até zoológicos – tem impacto direto na saúde mental e na saúde física das crianças. Isso pode levar ao aumento do estresse tóxico, reduzir a capacidade de autorregulação emocional, ampliar o déficit de atenção e contribuir com o sedentarismo precoce, que pode evoluir para quadros de obesidade, hipertensão e outros problemas metabólicos.
Esses dados revelam uma preocupante desconexão entre o espaço educacional infantil e os benefícios amplamente reconhecidos do contato com a natureza para o desenvolvimento integral das crianças. Ambientes artificiais – dominados por concreto, iluminação em excesso e estruturas rígidas – tornam-se o cenário cotidiano de milhares de crianças brasileiras, sobretudo nas regiões urbanas. Esse afastamento sistemático da natureza não é apenas uma questão estética ou de lazer: é um problema de saúde pública, com implicações diretas no bem-estar físico, emocional e cognitivo das crianças.
Não só imaginar, mas viver a natureza
Mais do que desenhar o que se imagina sobre uma floresta ou outros ambientes naturais, é necessário permitir a vivência das crianças nesses espaços, promovendo a sua preservação e estimulando uma consciência ambiental crítica e o engajamento em práticas sustentáveis desde cedo. A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito das Crianças prevê, no artigo 29, que a educação infantil deve “imbuir na criança o respeito ao meio ambiente”. Trata-se, portanto, de uma questão que transcende a infância e toca o futuro coletivo da sociedade.
O presente pode ser diferente, bem como o futuro
Experiências regulares em ambientes naturais promovem aumento da criatividade, fortalecimento do sistema imunológico, maior capacidade de resolução de conflitos, e, ainda, melhora do desempenho acadêmico em diversas áreas. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria, recomenda incluir atividades ao ar livre de ao menos uma hora por dia em contato direto com a natureza. As recomendações também incluem promover adaptações de ambientes nas creches e pré-escolas, estimular pais e educadores sobre a importância da natureza no processo de aprendizagem e mobilizar o poder público para garantir ambientes naturais bem cuidados e seguros próximos das residências.
Nesse contexto, o estudo do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) reforça que enfrentar os efeitos da crise climática sobre a infância exige respostas integradas, que considerem a criança como sujeito central das políticas públicas. Isso envolve o fortalecimento de serviços de saúde e assistência social, a garantia da segurança alimentar e de áreas verdes nas escolas, o planejamento de cidades mais resilientes e a formulação de políticas urbanas e ambientais que priorizem as crianças mais vulneráveis. Como destaca o Comitê Científico do Núcleo: “Qualquer ação para mitigar a crise climática precisa estar centrada nas necessidades específicas de bebês e crianças pequenas”.