Ao menos 16% das crianças na primeira infância já sofreram racismo no Brasil

Ambiente escolar é o principal local onde ocorrem os casos, de acordo com pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e Datafolha

Published on 09/10/2025 10:24, by Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Menina pequena com laços vermelhos no cabelo explora um brinquedo pendurado em um galho, brincando ao ar livre em meio às plantas

Mais da metade da população brasileira é formada por pessoas negras. O racismo estrutural, presente em todas as esferas da sociedade e perpetuado por práticas e normas que reforçam desigualdades raciais, afeta essa população desde o nascimento e faz com que crianças na primeira infância sejam impactadas já nos primeiros anos de vida.

A primeira infância, que vai de 0 a 6 anos, representa uma janela de oportunidades, um período essencial para o desenvolvimento de habilidades e para a exploração do mundo de forma saudável. Experiências marcadas pelo racismo, porém, podem comprometer esse processo, impactando a saúde física e o bem-estar socioemocional das crianças.  

De acordo com o “Panorama da Primeira Infância: o impacto do racismo”, pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Datafolha, 63% da população acredita que o racismo afeta as crianças desde os primeiros anos de vida. O levantamento revelou, ainda, que 16% dos responsáveis por crianças de até 6 anos afirmaram que elas já sofreram discriminação racial.

“Isso é inadmissível em todos os aspectos. Estamos falando de uma fase da vida em que cada experiência conta para o desenvolvimento. Sofrer racismo, sobretudo na primeira infância, pode deixar marcas profundas na saúde, na aprendizagem e na autoestima das crianças, com efeitos duradouros”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Impactos na vida 

Ao vivenciar situações de racismo, crianças negras podem ser afetadas em diferentes dimensões, como autopercepção, autoconfiança, saúde física e mental, construção de identidade, relações parentais e acesso a oportunidades e direitos fundamentais, como moradia, educação, saneamento e alimentação. 

A publicação “Racismo, educação infantil e desenvolvimento na primeira infância”, feita pelo Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), ressalta que o enfrentamento ao racismo deve ser feito de maneira intersetorial, articulando diferentes áreas para que seus efeitos sejam mitigados. 

“O racismo é uma questão estrutural, ou seja, envolve toda a sociedade. O compromisso das pessoas não negras é fundamental no combate ao racismo. A defesa dos direitos e o fortalecimento dos movimentos sociais antirracistas são essenciais para proteger as crianças negras e promover o seu pleno desenvolvimento”, destaca o documento. 

Racismo, escola e primeira infância

A escola é um espaço fundamental para combater o racismo e valorizar a diversidade, já que contribui para o fortalecimento da identidade, da socialização e do sentimento de pertencimento das crianças, além de promover a educação antirracista.

Os dados da pesquisa Panorama da Primeira Infância mostram que creches e pré-escolas foram os ambientes mais citados como locais onde as crianças já sofreram discriminação racial. 

Entre os cuidadores entrevistados, 54% afirmam que suas crianças vivenciaram situações desse tipo em unidades de educação infantil, sendo mais frequente na pré-escola (61%) do que na creche (38%).

“Esse é um dado que deve ser observado com atenção e cautela. Parte disso pode ser explicado pelo fato de a escola ser um ambiente em que as crianças passam mais tempo e, portanto, ficam mais expostas”, analisa Mariana Luz. 

“Porém é muito importante lembrar que a escola tem o potencial de ser o espaço onde a diversidade é valorizada e o racismo combatido. Preparar educadores e oferecer materiais adequados para a educação antirracista, como manda a lei, é essencial para transformar essa realidade”, completa Luz.

A lei 10.639/2003 determina que todas as escolas do país ensinem história e cultura africana e afro-brasileira. No entanto, a prática ainda está longe de se consolidar. Um estudo realizado em turmas de creche e pré-escola de 12 municípios brasileiros revelou que 89,8% delas ignoram o ensino de questões étnico-raciais. Os dados estão na “Avaliação da Qualidade da Educação Infantil: Um retrato pós-BNCC”, realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Itaú Social, em 2023.

O racismo em outros espaços 

Além da escola, o Panorama da Primeira Infância identificou que crianças de 0 a 6 anos sofrem racismo em diferentes locais: 42% dos entrevistados disseram que parques e praças públicas são locais onde as crianças também sofreram discriminação, seguidos pelo bairro e a vizinhança (20%) e até mesmo o ambiente familiar (15%). 

Serviços de saúde e assistência responderam por 6% dos casos relatados pelos cuidadores. Nesses espaços, o índice de crianças de 0 a 3 anos que sofreram racismo é maior (12%) do que entre as crianças de 4 a 6 (3%).

Metodologia usada na pesquisa

A pesquisa foi realizada em abril de 2025, com uma amostra nacional de 2.206 pessoas, sendo 822 responsáveis por crianças de 0 a 6 anos, que foram ouvidas em entrevistas presenciais em pontos de fluxo populacional. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para a amostra geral e 3 pontos percentuais para o grupo de responsáveis por crianças. 

Em agosto, foi lançada a primeira parte da pesquisa “Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida”, com foco na percepção da sociedade sobre o conceito da primeira infância, na relação do cuidador com a criança, atividades cotidianas e uso de telas e disciplinas punitivas. 

Share