Gestão feminina por políticas públicas inclusivas
Neste artigo, a CEO da Fundação aborda os desafios impostos pela pandemia por mulheres (e mães), além da urgência de se ampliar a presença feminina na esfera pública e na arquitetura de políticas governamentais que contemplem a equidade de gênero
Published on 08/03/2021 03:54, by Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Imagine que você é uma das 13 senadoras em um parlamento formado por mais 68 homens numa casa sem banheiros femininos. Esse não era o cenário em 1979, quando Eunice Michiles assumiu como primeira senadora da República do Brasil, mas em 2016, na 55ª legislatura da casa, ano em que foram construídos toaletes exclusivos.
Claro exemplo de como as próprias estruturas mostram a face segregadora, ao repelir de maneira velada as mulheres nos diferentes espaços de poder do país. O Brasil se orgulha por ser uma nação de grande variedade cultural e étnica, mas há muito a ser feito no enfrentamento real da equidade e da inclusão de minorias.
As últimas eleições municipais ilustram bem o descompasso entre representação efetiva e narrativas que desvirtuam o foco: 52% do eleitorado brasileiro é formado por mulheres, que, por sua vez, não ocupam nem 12% das prefeituras do país – das 26 capitais, apenas Palmas elegeu uma mulher para o executivo em 2021.
O mês de março, com o Dia Internacional da Mulher, é um momento especial para pensarmos a trajetória e os inúmeros papéis desempenhados pela mulher na sociedade e na vida pessoal. Olhar para as conquistas e avaliar se estamos ocupando de forma equânime os postos de decisão, explorar as evidências sobre os avanços que a mulher agrega a espaços antes tomados de forma unilateral, sem a nossa participação.
Neste mês de março de 2021, no entanto, temos um ingrediente a mais. Relembramos também o triste marco de um ano de pandemia, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 desse mês de 2020.
Essa dobradinha faz as luzes de alerta piscarem mais forte, trazendo em seu cerne a urgência de termos mulheres na liderança, com mais e novas propostas, como beneficiárias e promotoras das políticas públicas.
Esse movimento já mostra resultados. Pesquisadoras do Reino Unido fizeram uma análise de 194 países e comprovaram que as nações lideradas por mulheres têm tido um melhor controle sobre a pandemia do novo coronavírus.
No relatório, destacam-se a alemã Angela Merkel, a presidente do Taiwan, Tsai Ing-Wen, e Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia – essa já chamou atenção por tirar licença maternidade durante o exercício do cargo, em 2018. Na ocasião, Ardern defendeu a primazia da mulher na escolha. “É uma decisão da mulher sobre quando elas escolhem ter filhos e [a escolha] não deve predeterminar se elas receberão ou não um emprego ou terão oportunidades” , afirmou a primeira-ministra.
Nos EUA, a notável Kamala Harris, nova vice-presidente, incluiu as mulheres no programa de ajuda pós-pandemia do governo em um de seus primeiros atos ao chegar na Casa Branca. Inclusive com um investimento de US$ 40 bilhões em assistência médica infantil e extensão do subsídio de desemprego.
O impacto global da pandemia reforça a ideia de que é cada vez mais urgente ampliar a presença da mulher na esfera pública e na arquitetura de políticas governamentais que contemplem a equidade de gênero.
Mesmo com a maioria masculina, trata-se de uma ocasião para as próprias mulheres ampliarem o debate e defenderem melhores condições para que possamos desempenhar bem todos os nossos papéis na sociedade. Da família ao trabalho; do público ao privado.
Como vem sendo destacado na mídia, somos nós as mais impactadas com as restrições impostas pela Covid-19. Por isso é tão importante a criação de mecanismos que mitiguem, por exemplo, o acúmulo de funções, especialmente das mulheres que optam pela maternidade. É preciso superar o mito da heroína, aquela que equilibra todos os pratos perfeitamente, trabalha o dia todo, cuida da casa, da família, dos filhos.
Sobre esse último aspecto, voltamos nosso olhar para as crianças de 0 a 6 anos. A ciência já comprovou que essa é uma etapa da vida fundamental para a formação do ser humano, física, cognitiva e emocionalmente. Com o necessário fechamento em casa provocado pela pandemia, são inúmeros os relatos de crianças que estão crescendo em meio ao estresse tóxico do caos doméstico – elevando a necessidade de apoio dessas mães.
Nessa época de repensar o papel da mulher na sociedade – em especial neste 2021 –, temos uma conjuntura única para convidar o mundo masculino a também refletir sobre seus papéis, tanto dentro dos espaços de poder, como enquanto parceiro em casa, inclusive na educação dos filhos. O desafio de prover um futuro melhor para todos não é papel exclusivo de um gênero.
É importante que tenhamos mulheres protagonizando esse debate sobre equidade, diversidade e inclusão, mas trata-se de um desafio coletivo. Inadiável se quisermos viabilizar a construção de uma sociedade mais justa e com mais oportunidades. As mulheres que ocupam os espaços de poder têm visão privilegiada para promover políticas públicas que, ao favorecê-las, favorecem toda a sociedade.